As reuniões musicais de Kanye West, chamadas de Sunday Service, já são bem conhecidas. Inclusive, ele fez milhares de pessoas ficarem à frente da tela para assistirem - através de um pequeno círculo - sua memorável apresentação no Coachella. De encontros reservados a áreas externas e/ou ambientes fechados com acesso somente de convidados, os cultos de Kanye estão ganhando os púlpitos das igrejas negras estadunidenses. Essa turnê não oficial é uma das formas para sedimentar o terreno para a chegada do tão esperado álbum “Jesus Is King”. O projeto estava prometido para o dia 27 de setembro. Foi postergado para 3 dias depois. Porém só ficou na especulação. Agora não se sabe quando virá à tona. E se virá.
Aproveitando os holofotes, Kanye West “prometeu” para 25 de outubro um filme documental com os bastidores do desconhecido disco, que tem a direção de Nick Knight e será exibido apenas nas salas de cinema IMAX. Na sequência dos acontecimentos, Kanye afirmou numa de suas apresentações que não vai mais fazer música secular. Agora é só gospel (cristã). “Kanye teve uma incrível evolução ao nascer de novo e ser salvo por Cristo”, disse Kim Kardashian, a esposa dele, ao The View.
Há quem duvide dessa transformação. E tem aqueles que acham que Kanye partiu para o gospel por supostamente ter perdido mercado no RAP, principalmente depois de reforçar seu apoio a Donald Trump e relativizar questões raciais. A verdade é que Yeezy não precisa de um nicho para ganhar dinheiro. Se nada der certo na música, tem os tênis e as roupas para multiplicar os dólares. E o cenário musical cristão estadunidense, conhecido como Christian Contemporary Music (CCM), e não gospel, não é tão aberta quanto se imagina.
Diferente do Brasil, o mercado evangélico norte-americano é bem conservador. Neste sentido, pode ser que Kanye conquiste espaço pelas ideias que defende – os que tentaram ser progressistas ao abordarem racismo, imigração e violência policial contra os negros, foram boicotados [Lecrae é o exemplo mais recente. O Kirk Franklin também recebeu críticas por trabalhar com Kanye West no LP “The Life Of Pablo”]. Mas lá o gospel raiz é direcionado à comunidade negra. E Ye, de alguma forma, conseguiu levar a experiência da igreja afro-americana para fora das quatro paredes. Muitas delas reconheceram a relevância do projeto e o abraçaram [só ressaltando que a grande maioria das músicas interpretadas são do próprio rapper, e não necessariamente cristãs]. Assim, ele fez com que seus cultos fossem feitos, também, em igrejas negras, das quais estão a Fellowship Baptist Church, de Chicago; New Birth Missionary Baptist Church, em Atlanta; Greater Allen AME Church, no Queens, em Nova York. As celebrações também foram levadas para o Fox Theatre, em Detroit, e Howard University.
Esse movimento, pode até ser comparado [com muitas ressalvas] com o que Aretha Franklin fez ao gravar em 1972 o disco “Amazing Grace” na The New Temple Missionary Baptist Church, em Los Angeles. Não por acaso esse foi o LP mais vendido da carreira dela, que também resultou num impactante documentário. Apesar de autoral, sabe-se que esse tipo de projeto não contém ineditismo. Outros antes do Mr. West fizeram esse crossover [Sister Roseta, Andrea Crouch, Kirk Franklin e (até) o Chance The Rapper].
Ao Rapzilla, o diretor musical do Sunday Service, Phil Cornish, disse que os cultos tem causado impacto nas pessoas que participam das reuniões e de quem não participa delas. “Mesmo com todas as respostas negativas que você vê, você vê pessoas realmente agradecidas, elevadas e renovadas. É disso que se trata. Nossa agenda é espalhar o amor de Cristo, e vemos que ele está sendo espalhado para pessoas que nunca procurariam ter essa experiência. Fazemos nossa parte. Tudo o que podemos fazer é plantar a semente e permitir que o Espírito Santo a faça crescer. Você não pode permitir que ninguém dite o que está fazendo e o desvie do caminho, porque Deus não é o autor da confusão”.
É indiscutível que Kanye West seja um dos grandes gênios da arte contemporânea. Mas quase na mesma proporção, ele abraça causas duvidosas que influenciam milhares de pessoas. Não que o multifacetado artista tenha que ser o reflexo da perfeição. A “cobrança” da maioria, principalmente os pretos, é que ele não dê motivo para que a luta negra ao longo dos séculos seja descredibilizada. Algumas das falas dele dão margem a errôneas interpretações que são utilizadas por aqueles que acreditam no vitimismo da negritude [seja no Brasil ou em qualquer lugar do mundo], tipo: “A gente ouve dizer que a escravidão durou 400 anos. Quatrocentos anos? Parece uma opção”, disse ao TMZ. Ou dizer num dos seus Sunday Service que “Eu nunca tomei uma decisão com base na minha cor. Essa é uma forma de escravidão, escravidão mental”.
Não se sabe o real propósito dos cultos de Kanye West [há teorias sobre essa ações serem apenas marketing]. Que, de fato, tenham a intenção de transformar vidas. Porém, é necessário que o discurso dele esteja alinhado com o objetivo das reuniões musicais: compartilhar o evangelho (amor) de Cristo. Em último caso, recomenda-se que a música seja a única porta-voz. Assim, Kanye não precisará falar sobre determinados assuntos.