Além do horizonte | Especulações sobre o futuro da música gospel

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A música evangélica brasileira entrou para a indústria cultural. Rebatizada de gospel em 1990, ela chegou onde foi planejada para estar. A estratégia de Estevam Hernandes e Antônio Abbud atingiu as metas. O gospel mostrou a que veio. O mercado entendeu sua proposta e a abraçou. Esse aval obstinou a busca por melhores posições no gráfico. Dados extraoficiais apontam que o gospel é o segundo gênero musical mais vendido no Brasil, abaixo apenas do sertanejo. Mas como apenas cinco gravadoras do setor (que possui mais de 30) são filiadas à Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), órgão que certifica a quantidade de discos vendidos, os números são oficiosos.

“Há uma dificuldade por transparência em informações no mercado gospel nacional”, diz Maurício Soares, diretor executivo da Sony Music Gospel. Essa falta de sincronismo dificulta a parametrização dos rankings de vendas formais, mas não afeta os investimentos.

O gospel é um filão de mercado que possui um público fiel e consumidor. Por isso, os executivos olham para o horizonte e, além dele, enxergam mais possibilidades de crescimento. O céu é o limite. Soares argumenta que “a evolução tem que ser constante”. “Não dá para dizer que se alcançou a meta e ficar lá curtindo os resultados”, observa. “Vivemos num mundo em que tudo muda muito rápido. As novas gerações estão em constante mudança de hábitos, expectativas, demandas e o mercado de música cristã precisa entender e se adaptar a isto”.

Para se adequar às exigências mercadológicas, a Sony estendeu o raio de abrangência. Em 2012, a multinacional provou que havia viabilidade para vender álbuns religiosos no recém-chegado iTunes, loja virtual da Apple. Com o lançamento do álbum “Princípio e Fim” de Leonardo Gonçalves, a Sony fez história. Conseguiu alcançar o topo dos mais vendidos deixando para trás Roberto Carlos com um disco gravado ao vivo em Jerusalém. A experiência mostrou qual seria o próximo passo a ser dado. Entrar de vez no ambiente digital. Os congregacionais Paulo César Baruk, Os Arrais, Daniela Araújo, Mariana Valadão e Estêvão Queiroga também confirmaram que o negócio era promissor. Mas a maior parte dos cristãos demorou a se adaptar às novas tecnologias. Esse atraso não tirou o otimismo dos players da indústria. Para o jornalista Roberto Azevedo, editor do portal Super Gospel, a adesão em massa dos evangélicos aos serviços de downloads pagos e streaming de áudio e vídeo vai impulsionar ainda mais as vendas dos artistas gospel.

“As plataformas de streaming começaram a investir diretamente no gospel”, afirma ele. “Essas empresas estão tratando o gospel de uma maneira diferente, porque de fato é um mercado completamente diferente que deve possuir um trabalho direcionado. Com toda essa atenção, a tendência é que ele cresça muito mais. É certo que esse crescimento tem seu lado bom e seu lado ruim. E este é um problema, pois a quantidade de coisas ruins é grande e isso dificulta você encontrar o que é bom”, ressalta.

Na visão dos críticos, o êxito mercadológico deixou a música cristã descartável e sem qualidade. “Hoje a música vem e vai”, lamenta o cantor João Alexandre. “As músicas possuem períodos de pico, depois caem. Fazem parte de uma onda. Agora, se fossem boas, elas continuariam em alta. Pergunta se a música de Beethoven, (Johann Sebastian) Bach, (Franz) Liszt ou, até mesmo, do grupo Logos fica velha? Não fica porque tem qualidade”.

A perda de atributos e a falta de renovação no repertório artístico é um dos problemas que os responsáveis por artistas e repertórios (ARs) das gravadoras pretendem resolver em curto prazo. Isso fará com que o cenário evangélico brasileiro não se transforme numa grande bolha, como ocorreu nos Estados Unidos. O CEO do selo independente Illect Records (EUA), Josh Niemyjski diz que este é um momento estranho para a indústria da música cristã norte-americana. “Muitos dos gêneros que antes eram populares estão agora vacilantes e os gêneros de música, principalmente urbanos (rap, reggae, EDM, rock), que foram ignorados, estão prosperando. Muitos artistas já vendem números comparáveis ​​com os seus homólogos seculares”, revela ele em entrevista ao autor. A mudança do público consumidor, formado por jovens ávidos por novidades, foi um dos motivos dessa retração na América do Norte.

Para que a ascensão comercial do gospel continue no Brasil, os selos de gravação vão seguir o exemplo do mercado secular: trabalhar com mais planejamento, foco e investimentos, em especial nos novos talentos. “Estamos vivendo um momento histórico de transformações. E este é o momento ideal para que os artistas, gravadoras e profissionais do segmento reorganizem suas prioridades e conhecimentos”, ressalta Soares. “Acho que ainda precisamos muito evoluir na musica gospel no tocante ao gerenciamento das carreiras, estabelecimentos das metas e das ações estratégicas. Ainda perdemos muitas oportunidades pela falta de visão empresarial. Temos que ter muito mais profissionais para o mercado. Somente assim, ele vai crescer”.

*Este artigo faz parte de um projeto de pesquisa acadêmico que deu origem ao livro-reportagem “A Indústria da Música Gospel”. A obra será lançada em fevereiro de 2017.

Adailton Moura | DHVII

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